Nascida em 10 de novembro de 1931

 Não era esse post que estava planejado para ser publicado hoje. Não era esse post que eu gostaria que marcasse a minha continuação ao blog pós contagem regressiva. Mas hoje ele se fez necessário.

Minha avó Cecília era para mim uma grande inspiração. Era mais que avó, era amiga, conselheira, confidente. E faz um ano e meio desde a última vez que eu a vi, prometendo que voltaria no ano seguinte. Para que ela (e todos) conhecesse a bisneta. Mas o ano seguinte foi 2020, o ano inicial da pandemia, e nenhuma viagem nos foi possível. Mas "era só um ano", perante aos muitos que teríamos pela frente. Era só um ano de um grande sacrifício que nos manteria saudáveis e nos possibilitaria muitos abraços no futuro. 

Ela não faleceu de COVID-19. Ela faleceu de um mal súbito que a acometeu certeira e rapidamente no dia de ontem, 6 de março de 2021. E como falou uma de minhas primas, foi como um sopro. E ela se foi. 

Este post é sobre estar longe. Sobre morar no exterior e não poder estar com a família na hora mais importante possível. Não poder decidir ir e vir facilmente. Quando vim para cá, eu sabia que haveriam momentos difíceis e que algum dia eu teria que dizer adeus a algumas pessoas que eu amo assim.… virtualmente. Saber é diferente de estar preparado. E acho que isso é algo que eu nunca estaria. 

Cresci com ela pertinho.
Sempre brincando no quintal, sempre dormindo no quarto ao lado, sempre fazendo farra em sua casa com as primas. Ela fazia pipoca na panela, mas esquecia da tampa e aí as pipoquinhas começavam a pular pela cozinha toda. Ela ía desesperada atrás da tampa e eu catava todas que caíam pelo chão. Ela alugava meus desenhos favoritos e gravava os que passavam na TV e então fazia uma cumbuquinha de caldinho de feijão com arroz de "lanchinho". Um dia chovia lá fora e não podíamos sair para brincar. Ela colocou um colchão velho na escada e criou um escorregador. Nos divertimos a tarde toda. 

Minha primas e eu sempre dormíamos na casa dela. Fazíamos a maior farra, ríamos feito loucas de nada em particular. Ela fazia carinho na nossa perna. Íamos ao cinema quase todo mês e antes do filme começar ela contava histórias da sua infância e juventude. E também sua história de amor com meu avô. Eu adorava escutar tudo. E aprender mais sobre ela. 

Quero listar aqui um milhão de memórias. Quero listar aqui tudo que lembro dela, todos os detalhezinhos. Mas tão importante quanto isso, sinto que é escrever sobre o momento atual. Esse primeiro momento sem ela em nossas vidas. Eu só consigo dizer que não acredito, que não consigo aceitar ainda. Que num momento vejo fotos e vídeos e ela está ali viva e eu a sinto pertinho. E no outro eu entendo que não haverá mais nenhuma ligação.

Há um ano e meio nosso contato era exclusivamente via celular. Falávamos no whatsapp quase todo dia, nem que fosse só para mandar uma foto. Fazíamos ligações frequentes. A última, há pouco mais de uma semana, foi sem querer. Ela apertou um botão e quando viu estava me ligando. Conversamos bastante. Ela tentou ensinar a bisneta a falar "bisa" e minha pequena Cecília respondeu "bi bi bi". Só para sua bisa Cecília que ela falava "bi". Não falava em mais nenhum outro momento. Eu realmente achava que 2021 era o ano em que iríamos novamente ao Brasil. Que veríamos todos. Sonhava com o reencontro e contava para ela os planos. Quem sabe no final do ano, para seu aniversário de 90 anos? Ter realmente toda a família pertinho, após mais de um ano de isolamento? 

Quando meu pai me informou, perdi o chão. Ela não poderia ter partido. Como assim? Tudo que senti foi que estava presa aqui. Presa do outro lado do mundo. Em meio a uma pandemia. Em meio a toda essa confusão. Não poderia me despedir dela, visitar seu apartamento e reviver um pouco da nossa história. 

Minha filha estava tirando uma soneca na varanda e eu fui pega-la. Ela já estava dormindo há um bom tempo e eu queria um consolo. Ela abriu os olhinhos, ainda confusa e falou “bi bi bi”. Comecei a tremer e sentir que minha avó, a Bisa, havia estado ali ainda há pouco. Minha pequena não falou “bi” mais nenhuma vez depois disso.

Visitar seu apartamento e estar perto de suas coisas. Estranhamente, algo tão dolorido que eu desejei muito poder fazer. Um ritual de passagem; poder sentir seu cheiro, ver suas coisas e tudo que ela deixou para o dia seguinte e que ficou por fazer. Estar longe parece que torna irreal a partida de um ente querido. Ter essa pessoa online a torna quase eterna, tamanho o número de lembranças. É eterna até a percepção de que novas memórias não serão feitas... e o sofrimento começar novamente. 

Também não pude abraçar meu pai. E nem poderei tão cedo. Não pude confortá-lo neste momento tão difícil para ele. Perder sua mãe. Após tanto tempo evitando estar próximo para mantê-la saudável. 

O funeral e enterro; cerimônias super rápidas e privadas. A pandemia não permite mais que seja diferente. Estive presente através de uma ligação de vídeo para o enterro. Pude ver esse momento tão difícil e ver meus familiares. Quase estar com eles. Mas não é a mesma coisa. Tento me enganar o tempo todo dizendo que é quase a mesma coisa, que antigamente nem isso seria possível. Mas ainda assim, não é.

Quando eles retornam para sua casa para passarem ainda um tempo juntos, eu fico na minha cama, olhando o celular. Olhando a conversa que tive com ela dois dias antes. Olhando a ligação que ela me fez sem querer. E percebo com muita tristeza, que a cada nova mensagem, nova ligação, as dela ficam cada vez mais pra trás. Cada vez mais no meu passado. E novamente não consigo aceitar. 

Sua falta também faz a falta de quem já foi antes dela mais presente. Faz doer tudo novamente. Fico pensando no meu avô Fernão. Penso também nos outros avós, Carmem e Chiquinho, pais da minha mãe. A saudade de todos eles aperta. Penso nos momentos juntos. Penso também no Renato, meu primeiro namorado, que já faz 18 anos que partiu... E penso também no Kimi, meu gato, na Chanel e na Sasha, as cachorrinhas da nossa família. 

Sei que o tempo é a resposta. Minha avó nasceu em 10 de novembro de 1931. Este ano faria seus 90 anos de vida. E o tempo chegou para ela. Agora eu o aguardo fazer com que essa dor se torne um pouco menos latente. 



Meus pais em seu casamento. E todos meus avós. Todos juntos novamente.



Celebração do aniversário de 1 ano da Mustikka



Só linda!



Foto trabalhada via "My Heritage"


Comentários

  1. Que lindo e emocionante depoimento! Saudades de todos os quatro, os bisos da pequena Cecília. Agora juntos outra vez e nós separados, apenas por um véu estamos separados. Nas lembranças, nas experiências e ensinamentos estão e estarão sempre presentes. Feliz somos nós que tivemos o privilégio de dividir nossa vida com pessoas tão especiais. Obrigada, Meu Deus!

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  2. Nadja, não tenho como mensurar sua dor, mas posso imaginar. Aqui já seria inacreditável, longe ....nossa não dá!
    Eu sinto muito. Fica em paz na ctz q ela encontrou seu lugar ao sol na paz de Jesus.
    Beijo no se coração !!!

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  3. Um beijo e um abraços, apertados, cheios de Amor e força para todos vós. <3

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