Contagem regressiva - O décimo mês

 O décimo mês - A visita da vovó

Poucos dias após Cecília ter completado seus 9 meses, sua vovó chegou do Brasil. Foi uma aventura conseguir a autorização (ou o mais próximo disso) para que ela viesse. Como existia a possibilidade de eu ficar uma semana no hospital caso passasse pela cirurgia para tratar o aneurisma e depois disso não poderia pegar peso por mais ou menos um mês, conversamos com a minha mãe para que ela talvez viesse nos ajudar neste momento. 

A viagem dela estava programada para acontecer em meados de abril de 2020. Mas devido ao coronavirus, ela foi remarcar para setembro e então cancelada, sem previsão para acontecer. Minha situação de saúde, por mais que assustadora, acabou tornando possível a sua visita.

Uma amiga nossa havia conseguido que sua mãe viesse à Finlândia para ajudá-la com os filhos em decorrência de situações pessoais. Ela nos passou os documentos de que precisou e como fez. E então corremos atrás. Entrei em contato com o consulado finlandês em São Paulo explicando a situação e a necessidade e enviei a eles por e-mail os laudos médicos, as datas dos exames/possível operação, uma carta convite, meu RG (provando que ela é minha mãe), minha permissão de residência na Finlândia, o extrato de pessoa física da prefeitura de Tampere (provando que eu mudei de nome após o casamento e por isso esses documentos tem sobrenomes diferentes) e também constando o nascimento da Cecília e os documentos da minha mãe. 

Entrei então em contato com a imigração holandesa e enviei todos esses documentos para análise. Queríamos ter uma certeza de que ela poderia entrar na Europa e seguir para a Finlândia. Eles não puderam garantir, apesar dela ter os documentos. Caberia à pessoa responsável na imigração no dia. Eu já não sou uma pessoa muito calma... estava uma pilha de estresse. 

O consulado redigiu uma carta citando quais motivos são permitidos (e o nosso estava incluso), minha mãe fez o exame de PCR de COVID-19 (é necessário ser negativo para embarcar) e comprou uma passagem (em cima da hora) pela KLM, para entrar na Europa através da Holanda. Ela entregou todos os documentos e contou com a sorte! Deu certo (a primeira etapa) e ela embarcou. Chegando na Holanda, após 10 minutos aguardando os agentes discutirem seu caso num salinha separada, mais uma etapa vencida! E 9 horas aguardando seu voo para Helsinki

Chegando em Helsinki, atrapalhada para sair do voo e muito cansada, ela caiu da escada da remota (quando o avião para mais longe do prédio do aeroporto) e quebrou a costela. Sua estada conosco foi repleta de dores, de remédios que a faziam dormir e não conseguir aproveitar quase nada(nem o inverno finlandês e nem a Cecília). Correria com médico, adaptação para que ela ficasse mais confortável e sofresse menos. 

Foi difícil. Ela se sentia culpada por não poder ajudar em quase nada e não poder curtir a Cecília e eu, que já estava abarrotada de trabalhos, fiquei um pouco mais abarrotada e estressada. Parecia que tudo estava dando errado. A casa toda bagunçada, o ritmo de vida perdido, Cecília fora do seu ciclo de sono, chorando noite após noite, meu trabalho cheio de problemas, confusões e muitas surpresas, e em geral; o que mais pudesse acontecer! Parecia que tudo que eu queria provar... que dava conta da casa, do trabalho, da vida em família e do lazer estavam desmoronando na frente de alguém que seria uma grande crítica. Afinal, ela conseguiu fazer tudo isso na época dela. Somos tão diferentes e é as vezes tão difícil falar a mesma língua. A gente tenta. A gente continua tentando. 

Celebramos o aniversário do Kimmo. O quarto aniversário que eu consigo passar com ele. Sempre que me perguntam como lido com a escuridão do inverno (antes da chegada da neve), eu nunca tenho resposta. Eu aprecio demais cada época vivida aqui, cada mudança de estação. Mas também sempre me sinto animada com o aniversário dele, bem no meio desses meses escuros, frios e nublados. Animo pensando em presente, em carta e alguma surpresa. Talvez isso ajude também. Uma semana antes havia sido o dia dos pais aqui, e como presente a Cecília bateu palmas pela primeira vez. 

Nesse mês, minha pequena também curtiu um pouco da neve pela primeira vez. Ficou curiosa, interagiu um pouco, mas logo depois quis colo e quis ir embora pra casa. Ela viria a amar neve e brincar lá fora. Mas com quase 10 meses completos, era ainda algo muito estranho e diferente. Imagine algo que cai geladinho do céu, que você vê aí na sua frente. E quando encosta no seu rosto, some... te deixando apenas uma sensação molhada e fria. É, não era algo que ela gostasse nessa época! 
Acho que pensava que de molhada já bastava a fralda!

A situação do COVID-19, que até então estava bastante controlada recomeçou a preocupar e muitos locais fecharam novamente ou reduziram drasticamente seu funcionamento. Eu novamente passei a checar as notícias a todo momento e o aplicativo de mapeamento das infecções locais, atenta para se eu tinha tido contato com alguém infectado (o aplicativo aqui se chama Koronavilkku). Minha mãe também passou a ter mais medo de sair (além da dor de se movimentar), pois seu seguro não cobria internação nem nada por COVID-19. E ela decidiu ir embora após ter ficado conosco por 4 semanas, logo após celebrarmos os 10 meses da Cecília. 

Foi um mês que demorou um ano a passar e que ao mesmo tempo passou bem rápido. É um daqueles paradoxos, sabe? Cecília também ganhou mais um amiguinho brasileiro aqui na Finlândia. E desta vês, um menino. Antonio. Foi uma luz nessa confusão toda que eu conhecia sua mãe, Marcela, e tivemos um click maravilhoso. Eu fico muito feliz quando fecho os olhos e visualizo meu grupinho e minhas amigas aqui na Finlândia. Meu círculo verde, amarelo, azul e branco. E eu espero proporcionar essa alegria para minhas amigas aqui também. A pandemia me fez sim sentir mais afastada de todos. Eu tenho medo de sair, de ver muita gente, de dar chance pro azar. Evitei inúmeras saídas (mesmo que para ver um número reduzido de pessoas) , neguei convites mesmo querendo estar com todo mundo. Por dentro o medo de não ser mais chamada, de não ser mais lembrada. Mas também uma satisfação por eu respeitar o meu próprio limite de ainda não me sentir confortável, mesmo quando a situação aqui é tão mais tranquila que em outros locais. 

Fico pensando que este foi o ano que a Cecília nasceu. Que ela não teve contato com tanta gente, com o círculo de brasileiros que temos aqui. Não frequentou os locais que eu imaginei para ela (e para mim). O que será que isso significará para ela? Para sua formação e seu futuro? Será que por ser tão pequena, o impacto será inexistente? Será que realmente esse "novo normal" é algo que vai mudar a maneira como ela encarará o mundo? Vou refletir sobre todas essas questões e conversaremos mais no próximo post. 

Contagem regressiva para o aniversário da Mustikka:



Celebrando o aniversário do Kimmo

















Comentários

  1. Parabéns por mais um excelente texto. Vc é excelente em tudo que faz. Sempre dá o melhor de si. Sinto, sim, que vc se cobra demais. Adorei minha estada na Finlândia e a oportunidade tão especial de conhecer a Cecília em meio a este caos do Covid. Bjs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Procurando uma esmeralda? Que tal aqui?

Postagens mais visitadas deste blog

Trago seu amor em 7 dias...

A cirurgia para tratar o aneurisma

Uma virada em Aldeia da Serra