E eu que me achava inteligente...

Uma das coisas mais difíceis quando mudamos de país é lidar com a sensação de impotência para resolver seus próprios problemas. É aquela sensação de burrice. De quando nem ligar o chuveiro direito você sabe, de quando você faz algo só para descobrir tempo depois que estava errado ou era o oposto do que deveria fazer. É ter que reaprender a viver.

São coisas básicas que a gente nunca dá valor. Coisas que a gente nunca percebe ou para para pensar que podem ser tão diferentes em outro lugar. Mas são. E algumas vezes são muito diferentes. Foi chegar aqui e não conseguir colocar a máquina de lavar para funcionar, por exemplo. Coloquei todas as roupas, coloquei o sabão em pó e o amaciante (e muito tempo depois descobri estar fazendo até isso errado) e não conseguia fazer a máquina funcionar. Não saia água. Piscava vermelho, verde, amarelo. E nada da água. O registro estava fechado. Procurei pelo registro. quase coloquei o banheiro abaixo procurando. Nada. Não era como no Brasil, aqui era um "interruptor", algo que eu não tinha visto ainda. Lavei as roupas. Mas selecionei o que consegui entender das imagens e palavras e também do que havia me passado meu marido. É, não deu tão certo. Encolhi as roupas ( e óbvio que só encolhi as de inverno e meia estação.)

Fui fazer comida. Nunca havia cozinhado em fogão que não tinha "fogo". Aqui é aquele fogão de chapa. E você pode selecionar entre algumas temperaturas diferentes (o meu tem 6), mas depois que chegou na temperatura máxima... mesmo que selecione a mais baixa, a chapa continua bem quente. E por muito tempo. Então eu ficava passando a panela entre todas as bocas para não queimar. E era só esquecer de pensar nisso antes, que corria o risco de queimar toda a comida.

Ou inúmeras outras pequenas coisas que eu não dava o mínimo valor.

Todas essas coisas são bem simples e intuitivas para quem as conhece, cresceu com elas e está inserido na cultura. Foi o mesmo quando o Kimmo passou suas férias comigo no Brasil. Ele sempre tinha dificuldades em fazer as coisas. Como o dia que abriu o chuveiro e não sabia regular a temperatura (porque temperatura e quantidade de água são normalmente reguladas junto). Nós estamos acostumados a girar para cá e pra lá até achar uma combinação gostosa para o banho. Ele não conseguia fazer isso de jeito nenhum. Pois queria uma quantidade de água que deixava o banho mais "frio", mas queria ele quente. E aí fechava tudo e quase não caía água do chuveiro. Demorou alguns dias para entender o equilibrio.

Como demorou para eu para entender o tanto de opções diferentes que tinha aqui. Hora eu abria o chuveiro pra cima, pra baixo, pro lado... água na minha cara, no pé, gelada. Claro que eu nem cogitava pensar antes de sair abrindo tudo. Mas faz parte. 

Conversando com uma amiga, ela comentou comigo que não tinha jeito de trancar a porta do banheiro da casa onde ela estava. Que não tinha nem lugar para colocar chave e era muito estranho pois corria o risco de alguém entrar no único banheiro da casa enquanto ela tomava banho. Então descobrimos que a  própria maçaneta era a tranca. Era só virá-la pra cima. Pronto. Estava trancada! E ainda mostrava um sinal vermelho do lado de fora, informando que o banheiro de casa estava ocupado. E uma vez quase alguém abriu a porta enquanto ela estava lá.

O início da aventura de morar fora engloba tudo isso. Reaprender o básico, reorientar seu cérebro para aceitar essas diferenças (sejam boas ou ruins). Principalmente aceitar que sim, você vai se sentir burro em diversos momentos ao longo do percurso inicial. Você vai andar em círculos seja na busca por informações acerca do seu visto/procedimentos/etc quanto literalmente na rua, tentando achar o restaurante que combinou de encontrar os amigos.

Vai precisar aceitar que poderá precisar de ajuda na sua chegada. E também precisará de muita paciência pois essa jornada de aprendizado e assimilação das pequenas diferenças demora. Com 4 meses aqui (yay, parabéns para mim! 4 meses na Finlândia!) já passei por muitos perrengues pela/o minha/meu própria/próprio burrice desconhecimento. E tenho certeza de que ainda vem muito mais por aí, e talvez continue encontrando situações por alguns anos ainda.
E é minha escolha rir das situações, me desesperar ou me culpar. Aham. Sim, eu já passei pelas três reações. A mais comum é a pura vergonha que me consome após eu descobrir uma solução extremamente simples para o que eu já havia gastado 30 minutos (ou mais) tentando resolver. Acontece. Na maioria dos dias, eu rio. Me divirto com meus próprios pensamentos e invenções. Com a maneira que eu tento resolver os problemas, encontrar os caminhos ou cumprir uma tarefa aparentemente simples. "Deixa comigo" eu sempre digo. E depois "E agora?"

Bom... agora eu continuo aprendendo. E principalmente aceitando que é impossível saber tudo ou fazer tudo como eu já estava acostumada. 

Comentários

  1. Parabéns Nadja. Aprendizado é tudo isso e mais um pouco. Mas vale a pena e faz bem. Beijos.

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  2. Parabéns Nadja. Aprendizado é tudo isso e mais um pouco. Mas vale a pena e faz bem. Beijos.

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  3. Olá. Não é pq sou sua mãe, mas adoro ler seus escritos. São muito interessantes e a gente fica com gostinho de quero mais. Realmente , a gente st sempre aprendendo até na nossa terra. Como já dizia minha mãe: " Vivendo e aprendendo " . Bjs

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    1. Sim, é isso mesmo! Obrigada por ler e divulgar meu blog :) Que bom que você gosta.

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  4. Adoro a forma que você consegue fazer a gente rir dessas situações. E ainda ensinando a ver as mudanças de forma positiva. Muito legal!

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    1. :)))) Que bom!!! Acho que está é uma das partes mais positivas de ter o blog, é rever o que eu mesma vivi e conseguir olhar para os momentos de medo, estresse e aprendizado em uma nova luz. E isso me ajuda! :))))

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  5. Oi Nadja! Passou um filme na minha cabeça de todas as vezes que me achei a pessoa mais burra do mundo por não conseguir fazer coisas simples simplesmente porque era de um jeito que não estava acostumada ou por barreira da lingua. Acho que esse tipo de experiência nos concede humildade porque a gente nunca vai saber tudo e nos lembra que há sempre algo para se aprender. Espero que você continue se adaptando ao seu novo lar!

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    1. Estou só imaginando o que você viveu! Acho que todos passamos por isso, especialmente no início. Mas é assustador e prazeroso ao mesmo tempo né? Esta época de descobertas e adaptação.

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  6. Oi Nadja! Amo amo amo seu blog! Tive que rir pois parecia estar me vendo nos seus escritos, comigo foi assim mesmo tanto na Dinamarca, como na Itália e agora aqui nos EUA, vou confessar que hoje em dia não me cobro tanto porque é sempre assim então melhor rir que chorar não é mesmo? Beijinhos!

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    1. Obrigada :)))) Eu ainda preciso passar a não me cobrar tanto, acho que essa maturidade vem com o tempo hehehe! Bom saber que outras pessoas passaram por isso também.
      Um beijo,

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